Por Paulo Ferraz
31/05/2023

DO CONTROLE JURISDICIONAL NAS QUESTÕES RELATIVAS À FALTA DE DECORO PARLAMENTAR

Autor: Paulo Roberto Ferraz

O conceito de decoro parlamentar é constitucionalmente determinado desde a Constituição de 1969, tendo havido modificação com a sua Emenda Constituição n.º 01/69 e hoje, estando descrita no art. 55 da Constituição de 1988, em especial em seu § 1º ao preceituar ser incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

Adotou-se no nosso ordenamento o rígido princípio da legalidade criminal.

Três, portanto, são as hipóteses constitucionais de quebra do decoro parlamentar:  (i) os casos previstos no regimento (a mais ampla de todas); (ii) o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores; e (iii) percepção de vantagens indevidas.

Quando a acusação do comportamento incompatível com o decoro parlamentar for formalizada, é preciso que ela, sob pena de ofensa à Constituição, descreva conduta prescrita em uma daquelas três hipóteses constitucionais. Embora a Constituição exija uma tipificação dos atos indecorosos nos regimentos internos, o decoro parlamentar continua relativamente indeterminado em face da carga axiológica que ainda se pode nele inserir e da descrição aberta do tipo previsto nos regimentos internos e, por isso, não raras as vezes nos deparamos com processos por falta de decoro parlamentar tipificadas de forma errônea ou em conceito aberto, sem uma precisão e um nexo entre o fato e do tipo mencionado.

Diante de tal premissa há que se observar que o Poder Judiciário, pode sim exercer um controle jurisdicional sobre a definição legal dos atos tidos como indecorosos dentro de um processo instaurado por falta de decoro parlamentar. Há que haver legalidade em sua tipificação.

As palavras da Constituição têm que ter um significado mínimo, sob pena de menosprezo a sua força normativa. Quando a CF/ 88 fala em decoro parlamentar, ainda que remeta a sua definição ao regimento, não o faz de forma ilimitada, não passa um cheque em branco as Casas Legislativas para que “criem” tipos de falta de decoro parlamentar a depender do fato a ser instaurado, inclusive desvirtuando o fato ocorrido da tipificação existente.

Ainda que haja amplitude na definição dos atos incompatíveis com o decoro parlamentar, não há como ignorar o conteúdo mínimo da expressão como algo que minimamente fira a dignidade, a imagem, a respeitabilidade do parlamento, sob pena de transformar-se a cassação pela quebra de decoro em uma desculpa para revogar mandatos legitimamente conferidos pelo povo.

A teoria do cheque em branco ignora a força normativa dos vocábulos constitucionais, uma vez que o decoro parlamentar não pode ser encarado como uma desculpa qualquer para cassar o mandato parlamentar pela maioria; tal proceder compactua com a onipotência da maioria e com o arbítrio, violando diversos corolários do princípio democrático: proteção das minorias contra a maioria, contenção do arbítrio estatal e preservação da representação, cristalizada no mandato outorgado pelo povo.

O mandato dado pelo povo não pode ser usurpado pela maioria parlamentar sem que estejam presentes as hipóteses constitucionais, o que não significa que o parlamento deva se intimidar com a gravidade da pena a ser aplicada.

Por isso, faz-se necessário delimitar o conceito de decoro para que o regimento interno não apenas preveja atos indecorosos que manifestamente não o são, como também acabem capitulando fatos ocorridos como sendo atos indecorosos desconexos.

Para o prof. Celso Bastos o conceito de decoro parlamentar não é tão amplo que abarque qualquer forma de imoralidade, mas tão-somente aquela que atente contra o prestígio do parlamento, afirmando que: “O que parece certo é que o constituinte não quis encampar toda e qualquer forma de moralidade, mas apenas aquela cuja lesão possa depor contra o decoro parlamentar, ou seja, contra a nobreza, a dignidade, cuja degradação possa influir no próprio conceito do Parlamento”.

Não se trata de coisas que se passam no foro íntimo de cada um, mas de comportamentos, de atitudes que, pelo seu caráter incompatível com o bom proceder de um parlamentar, acabam por depor contra a própria reputação da instituição.

Esse entendimento fica bem evidente em antigo pronunciamento do STF (RMS 2.319), da lavra do Min. Nelson Hungria (BRASIL, 1954, grifo nosso), que, após realçar a sindicabilidade judicial da cassação por quebra de decoro parlamentar, negando seu caráter puramente discricionário, expôs: “Não é exato que o reconhecimento dessa incompatibilidade atende a critério meramente subjetivo. Admiti-lo valeria por admitir, obliquamente, o arbítrio que a Constituição e a lei ordinária repelem. Não fica ao puro capricho da Câmara Legislativa esse reconhecimento, pois, de outro modo, qualquer atitude de um de seus membros, por mais alheia ao decoro parlamentar, poderia ser considerada ofensiva deste, com a mais intolerável desgarantia à função de representante do povo. O critério de apreciação há de ser, necessariamente, objetivo, isto é, tendo por base ‘id quod plerumque accidit’. A ofensa ao decoro parlamentar há de ser reconhecível segundo a opinião geral.”.

Se essas afirmações deram-se em face da CF/46, quando o conceito de decoro era indeterminado, com tanto mais razão e de maneira mais rigorosa deve ser aplicável ao conceito de decoro parlamentar da CF/88, que agora é determinado, tipificado pela Magna Carta.

Assim, se a previsão regimental estiver em desacordo com o significado mínimo do decoro, ou seja, o ato manifestamente não for indecoroso, o Judiciário pode sim anular o processo de cassação, controlando a constitucionalidade do regimento interno de forma incidental (que não impossibilita, antes recomenda, o controle concentrado).

Fonte: https://mailchi.mp/27e0e7f1f915/informativo-paragrafo-03-maio

 

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